A pejotização é o fenômeno da contratação de trabalhadores que atuam de modo similar a pessoas físicas, apesar de serem contratados como pessoa jurídica (PJ). Para tal, esses trabalhadores precisam abrir uma empresa, registrada no Cadastrado Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Quando contratados como PJ, eles deixam de ter os direitos e deveres previstos na CLT, e o amparo legal dessa legislação. Por outro lado, aproveitam também uma relativa redução da carga tributária.
Tal conceituação data de 2016, mas o movimento de pejotização tornou-se especialmente comum nos anos seguintes, a partir da aprovação da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17). Importante lembrar que relação de trabalho e relação de emprego não são sinônimos. A pejotização busca criar uma relação de trabalho, sem o vínculo empregatício.
Embora não existam números exatos, em 2021 havia 13,2 milhões de MEIs ativos no Brasil, o que representaria 70% dos CNPJs do país. Quatro anos antes, em 2017, segundo dados do SEBRAE, o número de pessoas que já tinha sido MEI era de 9,5 milhões. Evidentemente, nem todo Microempreendedor Individual (MEI) vai manter uma relação de trabalho pejotizada. Mas, parte deles “abre um MEI” – isto é, realiza cadastro como microempredendor – com a finalidade de prestar serviços na onda de pejotizações.
O que caracteriza a pejotização?
A pejotização enquanto burla à legislação trabalhista é caracterizada por envolver um contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas, que acaba por maquiar uma relação de emprego. Por isso, entende-se que há pejotização quando se materializam, simultaneamente, as seguintes características de vínculo empregatício:
- Pessoalidade: quando há uma relação direta com uma pessoa física específica. A descaracterização da pejotização ocorre, neste cenário, quando o contrato é feito com uma pessoa jurídica mas apenas uma única pessoa natural presta o serviço, não podendo empregar outra pessoa física nessa função;
- Onerosidade: diz respeito a necessidade de pagamento regular, seja diário, semanal, mensal ou outro. Não havendo contraprestação financeira, não se configurará o vínculo.
- Habitualidade/não eventualidade: como o próprio art. 3º da CLT especifica, a relação de emprego não pode ser eventual. Ele deve ter frequência e recorrência. Se o prestador de serviços atua apenas eventualmente na empresa, sem periodicidade pré-definida, não há vínculo. Por outro lado, se sua presença é diária, com chegada e saída em horário regular, pode-se entender que há relação de emprego.
- Subordinação: esse é um dos aspectos mais difíceis de medir e comprovar. No geral, entende-se que há subordinação quando a pessoa está submetida a hierarquia interna da empresa, não podendo trabalhar de forma exclusivamente autônoma.
Quais os riscos para empregados pejotizados?
As pessoas físicas que constituem uma sociedade simples para atuarem como empregatos pejotizados perdem, antes de mais nada, todos os direitos trabalhistas e previdenciários conferidos pela legislação vigente.
Significa dizer que eles abdicam de proteção, por exemplo, em situações de acidente ou doença ocupacional. Mas, para além, deixam de ter acesso a férias regulamentadas, 13º salário, recolhimento de FGTS, seguro-desemprego, entre outros benefícios e direitos.
Uma segunda camada de riscos é aquela associada às proteções garantidas por entidades de representação de classe, como os sindicatos. Ao deixar o regime de trabalho CLT, o contratado não será coberto por convenções coletivas de trabalho, negociações salárias, de benefícios ou dissídio. A negociação passa a ser sumariamente individual – entre a empresa contratante e o CNPJ do trabalhador pejotizado -, sem interferência de entidades representativas.
Por fim, o terceiro ponto de risco para empregados em regime de pessoa jurídica é a ausência de proteção social em caso de encerramento de contrato. Como mostramos em nosso guia sobre rescisão de contrato de trabalho, há uma série de regras para o encerramento do vínculo trabalhista regido pela CLT.
No caso da pejotização, no entanto, o CNPJ contratado como prestador de serviços pode ser desligado a qualquer momento. No geral, não há aviso prévio, verbas rescisórias ou qualque outra garantia. A facilidade em encerrar o vínculo pode ser uma vantagem para a empresa contratante, mas coloca o contratado em situação de instabilidade.
Qual a diferença entre trabalho terceirizado e trabalho PJ?
Tanto no trabalho terceirizado quanto no trabalho como PJ, a empresa contratante firma relação com uma pessoa jurídica. A diferença é que o trabalho terceirizado é regido pela CLT e a empresa contratada, neste caso, é uma agência terceirizadora habilitada. Diferente, portanto, da pejotização, em que qualquer CNPJ é contratado.
Para relembrar: o trabalho terceirizado consiste na contratação de uma empresa ou agência terceirizadora, que fornecerá trabalhadores para a empresa contratante. Esses trabalhadores terão seu vínculo, portanto, com a terceirizadora. Além disso, a relação de trabalhadora entre empregadora e terceirizadora será regida pela CLT.
Desde a aprovação da Lei 13.429/2017, conhecida também como Lei da Terceirização, é possível contratar funcionários terceirizados até mesmo para a execução das atividades-fim da empresa. Assim, embora seja comum encontrar regimes de terceirização em atividades secundárias, como limpeza e manutençaõ predial, ou segurança do patrimônio, não há restrição legal a esse tipo de contratação também para o core do negócio.
Pejotização é crime?
A pejotização é crime quando fica comprovado que, apesar do contrato envolvendo pessoa-jurídica (PJ), a relação entre contratante e contratado segue guiada pelos princípios da pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação. Nesse sentido, ela pode ser enquadrada no artigo 203 do Código Penal, como crime de fraude à legislação trabalhista:
Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
- Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)
É possível demitir e recontratar como PJ?
Muitas empresas, nos anos recentes, tem optado por demitir trabalhadores celetistas, e recontráta-los como Pessoa Jurídica (PJ) na sequência, visando reduzir os encargos associados ao vínculo pela CLT. No entanto, a partir da Reforma Trabalhista, se a recontratação como PJ acontecer menos de 18 meses após a demissão, a empresa pode ser responsabilizada.
Na prática, a Reforma Trabalhista alterou a Lei 6019/74 (que dispõe sobre o trabalho temporário), incluindo os seguintes trechos:
“Art. 5º -C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º -A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.
“Art. 5º -D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.”
Embora o Art. 5º D da Lei 6019/1974 venha a tratar especificamente da recontratação por meio terceirização, em muitos tribunais esse entendimento tem sido estendido também para a pejotização.
Mas, quais as sanções para a empresa que demite o trabalhador CLT e recontratá-o como PJ? É sobre isso que falaremos na próxima seção. Por ora, basta saber que esse trabalhador pode requerer, por via judicial, o reconhecimento do vínculo empregatício.